quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

as minhas horas de tédio

As minhas horas de tédio são 99% passadas a ver webcomics na net. Porquê?
1 - Porque dá menos trabalho que comprar os livros.
2 - Porque dá menos trabalho do que lê-las nos jornais.
3 - Porque dá menos trabalho do que trabalhar.

E agora decidi partilhar algumas das minhas comics favoritas, e há para todos os gostos.

Para os intelectualóides ou wannabe intelectualóides, e também as minhas preferidas:
Dresden Codak, by Aaron Diaz (actualiza semanalmente)
carregado de ficção científica, conceitos filosóficos duvidosos e desenhos absolutamente extraordinários.
xkcd, by Randall Munroe (actualiza às segundas, quartas e sextas)
stickmen sarcásticos, divertidos e actualizados.
Hark! A Vagrant, by Kate Beaton (actualiza duas vezes por semana)
as piadas históricas em que todos pensamos mas que não traduzimos em imagens.

Artisticamente fascinante:
(além do Dresden Codak!!)
Freakangels, by Warren Ellis & Paul Duffield (actualiza às sextas)
criado por um dos argumentistas do Dr. Who e um artista que já foi empregado pela Marvel, a história é a de um universo pós-apocalíptico, passando-se numa Londres semi-afundada.

Para pessoas imaturas mas maiores de 16!:
Dar! - a Super Girly Top Secret Comic Diary, by Erica Moen (actualiza às terças)
Girls with Slingshots, by Danielle Corsetto (actualiza todos os dias de semana)
mesmo só para pessoas imaturas. e mesmo só para maiores de 16.

Absolutamente hilariante, todos os dias:
Least I Could Do, by Ryan Sommer & Lar deSouza (actualiza todos os dias)
não só é a história engraçadíssima, as piadas são consistentemente boas e a arte adorável -- o artista é caricaturista profissional.

Espero ter arruinado definitivamente qualquer hora de trabalho que possam vir a ter de futuro, e digam adeus a uma carreira escolar bem-sucedida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

escapatória ii.

o revamp do escapatória que ganhou a batalha de gladiadores entre textos para ir até à coca-cola passar umas férias é este:

Os autocarros passam um por um, quase ininterruptos, na paragem. Vejo-os ir e partir ao longe mas ainda nenhum me intrigou realmente - os lugares para onde vão são silenciosos e discretos, e eu estou à espera de um que me acene, de um que pestaneje sedutoramente do sinal luminoso que o anuncia.

A noite na cidade, escura e fria, é quebrada por luzes suaves que deslizam umas através das outras. As esquinas despem-se delicadamente diante dos faróis dos automóveis, nas ruas desertas as sombras diminuem e crescem com a nossa aproximação e afastamento.

Passo depressa pelas esquinas como se fugisse do nascer do sol, de mãos bem enterradas nos bolsos e os ombros rígidos contra o frio, as ruas geladas debaixo dos pés, uma após outra após outra. Se seguirmos durante tempo suficiente por uma rua, podemos ir até onde todas as ruas paralelas do mundo se unem num ponto de fuga secreto. É sossegado - os outros que lá chegam também não querem falar com ninguém. É a única razão pela qual alguém andaria tanto tempo em linha recta sem parar para... para ficar.

Não quero ficar no mesmo sítio. Respiro para dentro do cachecol para aquecer os lábios e o pescoço, não quero que o meu sangue pare de correr mas ir para casa está fora de questão. Estou farto desta cidade em que todas as ruas vão dar ao mesmo sítio, e já as percorri a todas muitas vezes, a horas diferentes em diferentes alturas do ano, conheço-lhes bem as manias. Sei onde há pedrinhas manhosas, passeios tortos, candeeiros de rua esquizofrénicos, onde passam os passadores de droga e onde se passam os artistas de graffiti às quatro da manhã, a pintar as crianças esfomeadas de áfrica numa explosão de rabiscos a preto e branco, sob a luz clandestina dos néons.

Mas à noite, no inverno, quando as ruas são minhas, numa zona obscura de sonho, preenchida apenas por nevoeiro e pela minha silhueta escura, posso fingir que estou a ir para outro sítio. Quando está mesmo frio ando com as luvas mais grossas, com o cachecol até ao nariz e com o gorro até às sobrancelhas, mas não fico em casa, porque ficar em casa seria desperdiçar a oportunidade maravilhosa concedida pelas nuvens, a oportunidade de pensar que vou para outro lugar.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

concurso de escrita

O José Luís Peixoto é o único júri neste concurso da Coca-Cola para jovens escritores. O limite é 2500 caracteres e tenho algumas coisas já escritas dentro deste limite... O prazo termina sexta-feira dia 20 e não tenho a certeza se alguma destas coisas é interessante o suficiente, devo tentar escrever outra coisa.
De qualquer forma estas são as hipóteses (esta lista poderá ou não ser actualizada se eu escrever alguma coisa):

Joie de Vivre
BOLD (isto valerá?)
Frame of Mind (este passa por tipo 200 caracteres ou isso)
des-significativo
escapatória

O único para que estava mais inclinada era este penúltimo mas não sei qual é o nível esperado numa competição deste género.
O Mário já participou, boa sorte a todos nós.
EDIT: O Tóni também já enviou a participação.

ps: eu sei que há gente que lê este blog porque tenho um contador de visitas e sei bem que as visitas não são todas minhas, seus fantasmas!

sábado, 14 de novembro de 2009

a era moderna

a era moderna é pouco poética
cheia de ruídos artificiais.
as noites tão brilhantes como os dias
os dias tão fechados como as noites.

de uns para os outros trocamos olhares calados,
tímidos, desviados, atravessados por entre
a multidão fervilhante no metro.

folheamos revistas de páginas magras
no consultório do dentista onde
nos esquecemos das dores psicológicas.

rebolamos nas passagens de peões,
zebradas através do asfalto quente,
perigosas à sua maneira muito própria.

rostos vazios detêm-se nas montras
de cores vibrantes em vidas a preto e branco
sem os olhos brilhantes da audrey no sabrina.

'sonha,' pedem os semáforos, piscando,
'sonha por favor, enquanto o vento se lançar
em voos rasantes pelos teus cabelos.'

há muitas coisas que partilhamos
com os nossos antepassados
que ultrapassam o plástico e o aço inoxidável.

os dedos das nossas mãos industriosas
os passos lentos de quem não tem destino
os sonhos escondidos atrás da orelha
e o vento
lançado
em voos rasantes pelos nossos cabelos.

pára de sofrer

pára de sofrer, sofia,
deixa-te de ler os clássicos
que terminam sempre em morte ou casamento
(ambos tristes à sua maneira
muito particular e igualmente
trágicos e finalizadores).

abre bem os olhos, sofia,
enche-os de coisas bonitas
como os pássaros e as borboletas
e esconde na noite as sombras
que te apoquentam a alma
ao acordares.

deixa os pesadelos no armário
onde escondes os teus outros segredos
(um diário com fechadura de plástico,
uma cassete do pretty woman
e os restos mortais de uma folha vermelha)
e não te esqueças de fechar a porta
à noite antes de dormir.

faz pouco barulho, sofia,
para não acordares os teus demónios.
quando eras pequenina e eles estendiam
garras fantasmagóricas sobre ti,
os lençóis brancos eram o teu escudo
glorioso e ardente.
mas agora, enrolada,
abraçando silenciosamente os joelhos,
nenhum edredão te protege
dos teus fantasmas muito pessoais
(enroscados contigo na cama,
com os braços frios passados
sobre o teu corpo esguio).

deixa de sofrer, sofia,
a noite não dura para sempre
nem pode assombrar as horas de luz.
esconde-te enquanto for dia
nos raios de sol nos parapeitos das janelas
(podes aprender a estender-te
com os gatos, que o fazem bem)
e ao cair a noite vai andando para leste
à velocidade da rotação da terra
(mil quilómetros por hora no equador)
e o pôr-do-sol nunca te vai apanhar.

escondes-te assim daquilo
que te persegue das sombras,
um bom conselho mas covarde.

a melhor opção, sofia,
é parares de sofrer não fugindo
mas travando e deixando
que os teus males te atravessem
como atravessa os teus ossos
o vento gelado do evereste.

fica quieta, sofia, e repousa,
a sarar as feridas mas deixando-as doer
pois essa dor verdadeira nunca será tão grande
como a dor de esperar que a dor nos atinja
num relâmpago inesperado.
a verdadeira dor é sempre menor
do que a expectativa de uma dor imaginária
coberta de sal e de pedaços de areia
em feridas que nunca realmente abrimos.

por isso esquece, sofia, esquece.
é a única maneira
de realmente perdoar.
mete as unhas postiças
e vai dançar pela noite fora,
deixa a penumbra dos candeeiros de rua
guiar os teus passos
até casa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

iii. o jordão

retirámos a bagagem
das águas tortuosas do estuário.
refugiados,
de fotografia dobrada
no bolso do casaco.


erguemos os olhos para diante
como se o sol nascesse já
(é cedo ainda)
bem no centro do oriente.


as pontes desta cidade
acolhem-nos com delicadeza,
lançadas sobre as águas
num apaziguante suspiro.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

juízos de valor

despe-me porque te pertenço,
procura em mim os meus segredos,
também são teus agora.

sem entraves, existimos apenas,
num lugar onde existir equivale a estar vivo,
sem as partes mais misteriosas e complicadas.

as coisas crescem de nós
como crescem das árvores,
somos criadores de braços bem abertos
para abraçar as coisas mais longínquas,
todas elas nos pertencem
como pertencemos nós a elas.

deixa-me guardar-te em mim
onde sei que posso proteger-te.
fiquemos de pernas entrelaçadas
num local obscuro e preenchido,
onde o espaço vazio não sirva
de ameaça sossegada e deslizante.

esqueço-me de que passam
as noites e os dias,
as estações escorregando
por entre os meus dedos.
com as folhas vermelhas de outubro
ainda entrelaçadas no meu cabelo,
apercebo-me das flores de abril
despontando aos meus pés.

esfrego os olhos com mãos sombrias,
here comes the sun.

noctívagos

a noite, como a tempestade,
colapsa:
manto escuro que lançamos sobre os ombros.

a nossa tradição é silenciosa
os nossos espíritos calados
em reverência a outros espíritos.

como buracos queimados através
do tecido espesso do céu
as estrelas ardem.

à volta da fogueira, esperamos,
toda uma raça em expectativa,
décadas de sonhos.

de rostos fechados, anacrónicos,
partilhamos os nossos pensamentos
com os pássaros apenas.

às vezes esquecemos que os pássaros
não migram para esquecerem onde estão
mas para recordar
os sítios que deixaram.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

escapatória

Passo depressa como se a noite nunca viesse cedo o suficiente, de mãos bem enterradas nos bolsos e os ombros rígidos contra o frio, as ruas geladas debaixo dos pés, uma após outra após outra. Se seguirmos durante tempo suficiente por uma rua, podemos ir até onde as ruas paralelas do mundo se unem num glorioso ponto de fuga. É sossegado, os outros que lá chegam também não querem falar com ninguém: é a única razão pela qual alguém andaria tanto tempo em linha recta sem parar para... para ficar.
Não quero ficar no mesmo sítio. Respiro para dentro do cachecol para aquecer os lábios e o pescoço, não quero que o meu sangue páre de correr mas ir para casa está fora de questão. Estou farto desta cidade em que todas as ruas vão dar ao mesmo sítio, e já as percorri a todas muitas vezes, a horas diferentes em diferentes alturas do ano, conheço-lhes bem as manias. Sei onde há pedrinhas manhosas, passeios tortos, candeeiros de rua esquizofrénicos, onde passam os passadores de droga e onde os artistas de graffiti perdem a cabeça às 4 da manhã a pintar as crianças esfomeadas de áfrica numa confusão de rabiscos. À noite, quando as ruas são minhas numa zona de sonho preenchida apenas por nevoeiro e pela minha silhueta escura, posso fingir que estou a ir para outro lugar. Quando está mesmo frio ando com as luvas mais grossas, com o cachecol até ao nariz e o gorro até às sobrancelhas, mas não fico em casa, porque ficar em casa seria desperdiçar a oportunidade maravilhosa concedida pelas nuvens, a oportunidade de pensar que vou para outro lugar.

--
"This is Love" - PJ Harvey

a boneca

Balanceou as ancas pelas ruas poeirentas, por entre as ocasionais trocas de tiros e música de flautim, sacudiu o cabelo quando passava o vento para se poderem fazer bons grandes planos e abriu finalmente de par em par as portas de mola do saloon, deixando-as sacudir um pouco à sua passagem. Os rostos eram os mesmos de sempre – o Jack Rápido, cujas botas tinham umas asinhas secretas e invisíveis encomendadas a um índio; o Dick Gatilho, que tinha o par de pistolas mais obedientes ente Nova Orleães e a Califórnia; o Louie Sem Ossos, tão magro que fugia de qualquer prisão sem precisar de enganar o guarda ou de lhe raptar a chave do bolso. A Boneca lançou beijos a todos com uma boquinha repenicada e cumprimentou os quatro bandidos ao balcão com um gesto de cabeça, ao que eles tiraram os chapéus e sorriram.

Ao bilhar, porém, estava um desconhecido. De costas, ela via-lhe já o lenço vermelho ao pescoço, o colete de pele, as botas altas, tudo tirado do estereótipo do homem do fároeste. Ele olhou por cima do ombro e, retirando o cigarro dos lábios, disse:

- Boneca.

O coração saltou-lhe no peito, fez-lhe estremecer o decote, e as suas pestanas pestanejaram de forma mais epiléptica que sedutora.

- És tu – disse.

Ele manteve um semblante escuro, puxou o chapéu sobre o rosto para alargar a sombra que o cobria e, ignorando o terror que ela demonstrava, perguntou:

- Vai um bilhar?

A Boneca aproximou-se da mesa devagar, cada passo dela um estremecer do salto alto fininho das suas botas, modeladas a partir de um mapa da Itália. Tirou as luvas brancas com um ar determinado e agarrou no taco que o homem lhe entregava.

- O que estás aqui a fazer? – perguntou num sussurro.

Ele pareceu não reparar que ela fizera uma pergunta, estava ocupado a juntar as bolas todas num dos cantos da mesa para poder começar a partida.

- Ouviste? – voltou a Boneca.

Ele ergueu para ela um par de olhos escuros desde a penumbra da aba do chapéu e disse:

- Não fiquei surdo, Boneca, muito menos para ti.

Ela corou como se lhe tivessem aceso uma fogueira debaixo dos pés, e tirou o leque do cinto para se esconder atrás dele.

- Começamos? – voltou ele.

Com um ruído seco, as bolas espalharam-se pela mesa.

--
"A Boneca -- uma comédia romântica no fároeste"
dedicada à sara pelos anos dela

domingo, 6 de setembro de 2009

tendresse


"Ele também escaparia à sua ternura. Protegera-o, vigiara-o, acariciara-o, não para si própria, mas para esta noite que lho ia arrebatar, para angústias, lutas, vitórias, que ela desconheceria. Essas mãos carinhosas estavam apenas emprestadas, e o seu verdadeiro trabalho era obscuro. Conhecia o sorriso daquele homem, os seus cuidados de amante, mas ignorava quais as suas divinas cóleras no meio das tempestades. Prendia-o com doces amarras: música, amor, flores, mas ao soar a hora da partida as amarras quebravam-se, sem que por isso parecesse provocar-lhe o mínimo sofrimento."

~Antoine de Saint-Exupéry
"Vol de Nuit"

sábado, 29 de agosto de 2009

a ponte romana

Foram homens que fizeram esta ponte, há muitos anos, com trapos por roupa e suor a marcar-lhes as testas, a escorrer pelas costas, a empapar-lhes as mãos. Foram homens como nós que puseram pedra sobre pedra destas pedras polidas que pisamos os dois.
E quando a ponte era nova, eles ficaram os dois, maltrapilhos e pequenos, sentados nesta amurada com os pés a criar círculos sobre o rio, e falaram das estrelas como tantas vezes outros falaram, antes e depois -- mas para eles era novo.
Rebentaram as invasões e os tambores de guerra a fazer vibrar as folhas nas árvores novas. Eles eram já outros e ela perseguia-o pela ponte e pedia 'não vás não vás não vás', e rezava e rezava e prendia laços de oração nos ramos das árvores encantadas, para o ver de novo e inteiro a atravessar aquela ponte.
Tão cedo ele não voltou, mas apenas quando ela era uma rapariga ruiva e as invasões tinham acabado e quem permanecia eram os invasores. Eles beijavam-se à noite às escondidas na ponte onde se derramara o sangue inimigo deles mesmos noutros tempos.
A cantar pelas montanhas chegaram os loucos, com espadas inclinadas e religiões novas que no fundo eram as mesmas, versões tortas, diferentes, angulares daquilo que eles conheciam. Viram-nos chegar pela ponte, atravessando o vale, e ouviram mais tambores e mais alto do que alguma vez tinham ouvido, tão fortes que, se parassem, iria com eles qualquer batimento cardíaco. Beijaram-se de novo, sem se esconderem, e ele enterrou-lhe as mãos no cabelo castanho escuro.
Aconteceu então outro mundo igualmente sangrento, de vingança e de raiva e de revolta e de tirar de novo o que é nosso, essas casas, esse povo e essa, essa ponte, seus sacanas, com as vossas vidas inclinadas tão erradas e tão falsas.
E ele construía então igrejas com outros homens de ombros largos, paredes bem grossas para que eles não voltem a entrar. Ela sentava-se na ponte, terrivelmente só, a sonhar com uma vida maior e a baloiçar os pés sobre a água cristalina.
Na idade seguinte eles eram um segredo de pecado em esquinas escuras da cidade e beijos roubados às ombreiras das portas. cruzavam-se na ponte e fingiam não se ver.
A era da luz não trouxe luz à terra deles, que tantas vezes os vira nascer e por vezes partir. Mas foi nessa era que, pela primeira vez, os dois casaram e criaram descendência -- a menina brincava na forja do pai com olhos brilhantes e os dedos todos cheios de calos, o menino, de nariz arrebitado, lavava com a mãe a roupa no rio, e os dois atravessavam a ponte às gargalhadas com espadas inclinadas de madeira.
Vieram buscá-lo para um barco do infante, ao que ele, sem opção, se ergueu da cama e só levou uma sacola com um par de ovos cozidos e carne fumada, e os bolsos cheios de beijos.
Ela criou os meninos sozinha.
No tempo dos românticos era de novo ela quem o perseguia pela ponte, e ele vestia de preto da cabeça aos pés e chorava muito como não choram os homens, e atirava com infinitas folhas de papel (tão brancas!) pelo ar e para o rio e para o vale e para o céu, no seu próprio grito de guerra desesperado que já tantas vezes o bairro tinha ouvido e esquecido.
As máquinas invadiram as ruas e os químicos invadiram o rio. Fez-se outra ponte maior, mais bonita e mais durável, feita de ferro para passarem as máquinas. Ele sonhava em voz alta delírios de loucura, enquanto ela lhe depositava panos brancos, na testa suada do homem que tinha feito a igreja.
As histórias de amor são assim complicadas, especialmente quando ele é tão livre dentro da sua cabeça e tão desesperado por liberdade do lado de fora. E quando partiu o rei (monarquia já de si bem falsa) ele dançou um bailado estrangeiro pela ponte fora com ela pelos braços, e o bairro todo olhou-o de lado durante meses.
Terminadas as festas, guerra.
E terminada a guerra, outra cortina de trevas e silêncio, o que não o impedia de ser ele e dizer coisas tabu. Ela escrevinhava no café por entre a fumarada dos charutos dos homens e sorria-lhe quando ele passava debaixo da sua janela, todo enfarruscado e com as mãos dos bolsos. Ainda assim atravessam a ponte sem darem as mãos.
Desta vez ele já partiu. Tentara empurrar a cortina mas falhara e ela voltara a ficar sozinha, para ver bem-sucedidos os objectivos dele num glorioso dia vermelho todo feito de flores. Passa na ponte com um cesto de roupa debaixo do braço e vê-o lá encostado, o cabelo penteado para o lado e a boina do pai lá plantada, a sorrir de lado como se fosse a primeira vez que a via. Ela lava a roupa na fonte com um sorriso também, e vê-o nos olhos dos filhos. Uma das meninas é ruiva, e ninguém entende porquê.


--
é um conceito que tenho na cabeça há muito tempo, e este resultado está longe de ser o final, mas decidi partilhar o estado actual do projecto, de qualquer forma.


bisoux*

Viriato 1

- Tudo o que tu sabes fazer é ficar para aí com um ar todo épico como se o peso das nações te caísse em cima dos ombros, como se tudo estivesse prestes a entrar em colapso, e quanto mais pões essa cara menos ela significa! A fricção é uma coisa boa, faz com que a água atravesse a pedra (isso e a teimosia) e faz com que não estejas sempre a cair de rabo no chão, e impede o movimento perpétuo, porque isso é que seria uma autêntica calamidade -- ao evitar a fricção não fazes nenhum favor a ti mesmo, a única coisa que fazes é congelar-te no tempo, a dar voltas num espaço sem superfície, e sabes, esse é que é o teu problema! É que não te apercebes da realidade da superfície!

Fiquei a olhar para ela como se tivesse acabado de me dar uma lição inesperada de física -- o que era, na base, o que tinha feito. A minha expressão pareceu irritá-la ainda mais.

- Como é que te atreves a deitar-me esses olhos? Não percebes nada do que te digo? Ainda por cima agora! Ainda por cima agora! Olha para a porra da minha mala em cima da cama e vê se entendes: eu vou-me embora porque tu te recusas a discutir comigo. Tens noção do ridículo que isto é? Tens noção do quanto me vou arrepender? Mas não, Viriato, fica aí a olhar para mim com essa cara de carneiro mal morto, ex-chefe de estado, com cara de Manuel Alegre no exílio, vamos, vamos, viola qualquer percepção que eu tenha da tua autoridade ou da tua, da tua--

Parecia-me que ia começar a chorar.

- Acalma-te, vá - pedi, erguendo as palmas das mãos.

- Estou farta de ti, Viriato! Estou farta de estar calma! Tu não entendes o que é estar aqui todo o dia no espaço da motonia a contar os segundos que ainda tenho que passar ao teu lado antes de poder enfiar-me porta fora -- passar assim o resto da minha vida?! Nunca! Nem pensar nisso! Então para que estou a perder o meu tempo aqui contigo?!

Ficámos a olhar-nos num silêncio súbito, como se ainda estivesse cheio de reflexos das palavras dela. O cabelo caía-lhe aos caracóis atropelados pela cara abaixo, as suas mãos estavam retorcidas em punhos inesperados.

Na minha garganta tinha palavras presas, mas, como sempre, elas não se conseguiam decidir sobre quem se dispunha a sair primeiro.

- Pára de olhar para mim! - guinchou ela. - Pára de olhar para mim - suspirou.

Como se fosse um acto de caridade, fechei os olhos e esfreguei a testa com uma mão exausta. Ouvi-a grunhir em desespero, e ouvi os cliques dos fechos da mala que estava em cima da cama.

- Duas palavras, Viriato - disse ela, e afastou a minha mão do meu rosto. Abri os olhos e ela estava muito perto, mais perto do que eu esperava, toda olhos azuis cheios de fogo e a boca torcida num esgar delicioso. - Duas palavras chegam para me fazer ficar. - Na sua mão esquerda, a mala pesada dizia o contrário.

Pensei bem naquela opção que ela me dava, naquela oportunidade única, a minha última.

- Amo-te muito - murmurei.

As sobrancelhas dela franziram-se e os olhos ficaram de súbito aguados.

- Vou-me embora.

Deu meia volta. Eu não a persegui -- ela sabia bem o caminho do quarto à porta de entrada, afinal percorria-o tantas vezes com uma ânsia tal que já devia poder fazê-lo vendada e com a perna atada.

Dei dois passos atrás e sentei-me no banco da janela. A porta bateu e fez estremecer a casa toda, que me perguntou com uma brusquidão desnecessária o que eu estava a fazer, por que é que deixava as coisas tomar aquele rumo ridículo e por que é que ficava ali sentado a ver passar as nuvens em vez de correr escada abaixo atrás dela.

Preferi dar-lhe a opção de se arrepender.

Claro que isso nunca aconteceu.


--
um rascunho num momento de tédio com aspirações de se tornar nalguma coisa.
recomendação:
"The Big Fight", Stars, (Set Yourself on Fire)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

des-significativo

As searas de centeio são infinitas debaixo do sol de verão. Vem o vento e acaricia-as como um amante, coisas sobre as quais o homem canta desde que existem homens e searas e vento, e desde que as aves flutuam no ar como se não tivessem peso de todo.

O que mais o fascinava eram as gaivotas -- nós só vimos o mar muito tarde, mas de vez em quando elas vinham a rebolar numa tempestade, cordilheira abaixo, e, fascinados, víamo-las cair, exaustas, como anjos. Ele dava-me a mão e suspirava uma maneira especial de suspiro, daqueles muito sábios, de olhos cansados.

Revíamo-nos em imagens fugitivas nos riachos, os nossos objectivos igualmente fugitivos. As nossas noções do tempo eram apenas abstractas, penduradas dos ramos das árvores. Os meus tornozelos andavam sempre nus, e ele oferecia-me pulseiras de berloques para lhes prender, para que ele soubesse sempre por onde eu andava.

Eram dias infinitos passados de trás para a frente com os rebanhos, a inventar instrumentos musicais com canas dos riachos e dançar em nome da noite à volta da fogueira, os pulsos cobertos de quinquilharia, observando-nos uns aos outros através de espirais pretas de fumo.

Não sei até que ponto esses dias continuam na geração que nos seguiu. Vivem cheios de medo, enfezados e pequenos até à próxima colheita, a poupar rações de pão duro porque a fome continua no dia seguinte -- certeza inalienável. E nós? Alguns de nós continuam lá, a viver sob os telhados cada dia mais finos, a acender fogueiras pequenas e a fazer pulseiras de amuleto, de costas vergadas na ceifa e testas enrugadas pelo sol.

Outros têm sonhos mais altos que a cada dia vêem envelhecidos.

Quanto mais velhos somos, mais ridículos parecem os nossos sonhos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

the modern way

and so he sits on his roaring motorcycle
driving backwards on one-way streets
waking up old women and children.

he's a modern day atilla,
fist raised in a salute to the gods of audacity.

he's free like a phoenix, with all the colours
of all the flags of all the WORLD
splattered on his wings.

he's immortal like a phoenix, constantly
kicking off the ash at the tip of his
blazing red cigarrette, unafraid.

and he turns the handles and throws his hair
in roaring gushes of liberating wind,
like the world will never be the same after this,
not once he's burned his trail across
sunrises and sunsets and trains going
places and airplanes going
nowhere and endless pointless soundless
traffic jams and the silent eyes of
children when their houses burn in the
deserts of sudan and briefcases of brokers
headed for straight-out smack dab
suicide.

when he leaves
cigarrettes are put out
on the asphalt of the road.

and he never thinks about
anything at all.


--
Em inglês porque algumas coisas não funcionam nas duas línguas.
Inspirado por posts sábias em
mmmleaf, e pelos universitários que percorrem a rua em motas ruidosas às tantas da manhã.

terça-feira, 23 de junho de 2009

carthaginiens, ensis

escrevo-lhe um poema como
consagraria aos deuses
um sacrifício em chamas,
e pelas mesmas razões.

burnbaby obrigada pelo que me dás
burn estrelas pulverizadas
burn nas minhas mãos
burnbaby não me abandones
burn vê o sol como ele sobe
burn entre as garras das nuvens

burnbaby concede-me este único
burnbaby e inquebrável desejo
burn outros virão com a maré
burn amanhã de manhã


bu os cartagineses não escreviam poemas.
rn só as sinfonias de escudo-em-espada-em-escudo
bu nas praias infinitas do mediterrâneo

e

cartago caiu com um
ruído surdo ensurdecedor
das páginas da história
para o chão empoeirado,
os gritos silenciados
levados pelo fumo
até às divindades.

burnbaby they were a-watchin
bvrnbaby the show

eu vi com estes olhos
dançar as espirais de chamas
sobre os telhados em ruínas.

burn nenhum deus levantou
burnbaby um omnipotente dedo.

escrevo-lhe um poema
para que o apazigue
para que o meu mundo
não caia em cinzas brancas
de folha de papel.

sábado, 20 de junho de 2009

BOLD

lembra-te sempre:
as coisas resolvem-se. a matéria transforma-se. as nuvens fogem às altas pressões. não apertes tanto a gravata. aperta bem os atacadores. não te escondas atrás dos postes da iluminação. a pedra fica escorregadia depois de chover. as cerejas servem mais para fazer brincos do que para comer. não confies nas coisas vermelhas. não ouças música muito alto. não feches os olhos nas fotografias.

nunca te esqueças:
não feches os olhos na auto-estrada. não feches os olhos no cinema. não feches os olhos no escuro. fecha os olhos quando beijares alguém. lava as mãos antes de comer. anda descalça às vezes. a chuva molha, mas isso é bom. beber uma vez leite fora da validade nunca matou ninguém. não sejas paranóica. acredita nas pessoas que te rodeiam.

para quando fores maior:
nunca acredites nas pessoas que te rodeiam. bebe só até ao ponto em que te sintas confortável a beber. ninguém te pode pôr rédeas ou sela. guarda as fotografias bonitas, corta de lá as pessoas de quem não gostares. mas guarda-as numa gaveta, fizeram parte da tua vida e tornaram-te no que és hoje. não mexas na cor dos teus olhos, não mexas na cor do teu cabelo. mostra os joelhos! aprende a assobiar, eu nunca te soube ensinar.

para te acompanhar pela vida fora:
tudo aquilo que eu te ensinei -- a contar, a escrever o teu nome, a dançar o thriller, a andar de baloiço, a cuspir como no titanic, a lavar os dentes, os nomes dos quatro beatles, a guardar a tua individualidade e a coser botões e costurar nos jeans.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

The Answer

"Before Sunrise" é realizado por Richard Linklater e protagonizado por Julie Delpy e Ethan Hawke.
Esta foi a cena que mais me fez apaixonar pelo filme.
Vale a pena.


"He was almost crying saying that.
You know, I believe if there's any kind of God, it wouldn't be in any of us. Not you, or me. But just this little space in between. If there's any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something.
I know, it's almost impossible to succeed, but... who cares, really. The answer must be in the attempt."

Oh, Ethan Hawke, quando vais parar de fazer filmes que eu adore?
Ah espera. Se não fosse o maldito "Antes que o Diabo Saiba que Morreste".

Frame of Mind

O Vasco conduz como um louco fugitivo. Sempre lhe deram esse apelido, e não o incomoda -- gosta da ideia de ser o selvagem na linha preta de macadame, que tira o máximo de uma carrinha velha de hippies até ela fazer aquele barulho que deixa os passageiros assustados. A sua música será deprimente e haverão meias-luas negras debaixo dos seus olhos, derivadas de incontáveis noites ao volante, iluminado por menos que uma meia-lua.
Conduz como um louco, e esta noite foge. O seu pé está pressionado no pedal, a estrada estendida diante dele, ladeada por campos de girassóis, de pétalas voltadas para o solo como os olhos cansados dos peregrinos. O Vasco escolhe não olhar, fixa os olhos no caminho, como faria Orfeu. É também por causa desta comparação que o Vasco evita olhar para os que dormem no banco de trás.

As lembranças que tem são como um bando de pássaros que pode ser dispersado com uma palma, mas que se juntam de novo quando estás a olhar. Ele lembra-se da forma como um Tim de mãos pequeninas dizia o seu nome. Lembra-se da Sónia desmaiada e de uma garrafa partida de whisky. Lembra-se do telefonema da Alice, de um estremecimento a percorrer-lhe a espinha. De uma namorada chamada Maria e dos seus dentes bonitos e perfeitos, que lhe deixaram uma cicatriz no ombro esquerdo. Uma noite em Bragança coberta de neve, a chorar a ver o Pretty Woman -- possibilidades partidas. Ler Nietzsche, queimar as páginas.

Um passo em frente dispersa de novo os pássaros. Adeus.

As suas mãos apertam com força o volante, e depois abre a janela dois dedos e puxa de um cigarro, com as mãos peritas dos desesperados. Tem os dentes amarelados mas garante-se de que não está viciado -- é só para lhe manter a boca ocupada, não pode ser pior que pastilha elástica afinal. Um dos seus bolsos produz um isqueiro e a chama brilha sobre o cabelo da Alice no assento do passageiro como se, por um instante glorioso, todo fosse feito de fogo. No momento seguinte, é apenas uma brasa vermelha na ponta de outro cigarro.

O Vasco sente-se velho ao volante, como um pai que deixo passar uma vida de pólvora e mulheres bonitas e odisseias para tratar da mulher e dos filhos. Neste caso, a família indesejada é o único grupo de pessoas com quem encontrou uma ligação -- bem, eles e a Maria dos dentes bonitos. Com ela havia uma chama, mas ele queria amor de poesia e teatro, e ela queria amor de casacos de cabedal e carros descapotáveis. De alguma forma, os dois não eram compatíveis.

O Vasco pergunta-se por vezes o que teria acontecido se os dois tivessem ficado juntos -- talvez ele tivesse acabado o liceu, ido para a universidade, talvez se tivesse livrado de uma mãe que precisava dele e de quem ele não precisava, e arranjado um emprego, e uma vida.

Uma a sério.

domingo, 17 de maio de 2009

Hero(in)

Comecei a fazer este vídeo como um apelo "anti-droga" para um coise qualquer da escola, mas a meio da sua realização disseram-me que já não era necessário para a apresentação -- eu, entretida que estava, continuei a fazê-lo.

E foi aí que ele se transformou nalgo completamente diferente.

Música: "Left and Leaving", The Weakerthans
Vídeo: Principalmente tirado da série "Skins", (canal inglês E4), e do filme "Trainspotting", (realizado por Danny Boyle). Há também dois pequenos clips do videoclip do Pedro Abrunhosa de "Quem me Leva os Meus Fantasmas".

Hero--in.

(a minha mãe diz que isto serve para mostrar o lado agradável da droga. i beg to differ? opiniões são bem-vindas.)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nero

arde,
o teu fumo enche-me as narinas
faz-me sentir vivo--
quase como se eu estivesse
mesmo.


uma vez eu vi um pássaro
cair em chamas
do meio de uma tempestade.

nada mais belo desde aí.

fico em silêncio junto às janelas
à espera da pilhagem,
da calamidade que venha fazer
cair toda esta história e
livros-escravos-mãos-recordações
em cinzas azuis na noite.

uma vez eu vi um vulcão
extinto e distinto no horizonte
(mas era mentira, e se eu soubesse
tinha ficado para ver)

os imperadores viram bem crescer
um império debaixo das sandálias
--gerações e gerações de ensinamentos
de línguas estrangeiras e modas e moedas
e emoções e romances com mulheres
de pele escura e de outros
mais exóticos continentes--
e eu sei ver agora tudo isso
desmoronar-se aos meus pés
em menos de quinze segundos.

e tudo aquilo de que preciso
é uma
faísca.

--
Reza a lenda que o Imperador Nero tocou cítara enquanto Roma ardia, após lhe ter ateado fogo.
Não é perturbadoramente belo?

Música: "Dear Darkness", PJ Harvey

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Ce Soir J'Attends

Se lhe pedissem, Madeleine saberia enumerar os comboios em que já tinha entrado e saído para chegar ao sítio onde estava – num dia bom. Num dia mau, saía do comboio, sentava-se na borda de um banco da estação e deixava-se estar a ver passar os destinos intermináveis e todas as vidas diferentes que perdia.
Madeleine era uma rapariga de ambições – mas não tinha sido, na sua vida, uma rapariga de riscos, e as duas são necessárias uma à outra. Enquanto que uma vida de risco sem ambição é um pouco uma fantasia suicida, a ambição sem o risco tem outro nome: sonhar acordado.
Toda a vida, Madeleine tivera o cabelo muito comprido e liso. Não era porque lhe ficasse particularmente bem, não era uma preferência pessoal, mas era aquilo que ela conhecia, tal como comia sempre o mesmo sabor de gelado e só ia ver filmes ao cinema se tivessem actores de que ela gostasse. Tinha medo da desilusão como os lobos têm medo ao fogo – ela já vira o terror que causava nos outros, e preferia não lhe dar a oportunidade de a queimar a ela.
Jean-Luc sabia estas coisas acerca dela, e era por isso que trazia sempre para casa a mesma pizza, que lhe comprava sempre lilazes e que a levava sempre a jantar fora no “Eugéne”. Ele sabia aquilo de que ela gostava, e mantinha-se fiel a esses parâmetros de todas as vezes.
Quando acabou o liceu, Madeleine espalhou na cama os papéis de todas as universidades e cursos que lhe interessavam: Belas Artes em Paris, Paleontologia em Bordeaux, Química em Marseille. Cada papel era um sonho, uma vida diferente para Madeleine. Tudo isso a fascinava e assustava.
Nos dias antes de matrícula, andou como alma penada pela casa, a arrumar e a pensar, longos cabelos apertados num elástico. Ora se via a pintar nas margens do Seine, com uma vida simples numas águas-furtadas (e oh! usaria chapéus coloridos e talvez aprendesse a tocar acordeão, para cantar num bar escuro às terças-feiras por dinheiro nenhum), ora a dar uma palestra na universidade, e voltar para uma grande casa suburbana (é o Jean-Luc na varanda?, ou será um jovem escritor chamado Vincent, que publicou romances negros, e Madeleine faz escalada, canoagem, tem quatro golden retrievers—não, dois gatos—não, um filho, pequeno, louro como o Vincent).
Após muita deliberação, Madeleine foi cabisbaixa à escola inscrever-se no politécnico da sua vila. Era onde ia ficar o Jean-Luc – ele queria ser mecânico e ficar com a oficina do pai no centre-ville. Eram os sonhos dele, e Madeleine conseguia ver-se neles, um reflexo esfumado e distorcido de quem era, mas ela sabia que se podia habituar (e via uma casinha com duas varandas, férias modestas com praia e um par de aventais pendurados atrás da porta da cozinha).
O seu primo Gaspard foi quem a lançou num girar de pião de que ela não saberia voltar a parar. Veio da Inglaterra com ideias loucas que desmoronavam as fundações de Madeleine, de sítios para além da realidade fechada a que ela se confinara, de oportunidades que estava a perder. “Enquanto não decides entre as tuas possibilidades,” dizia-lhe ele, “pensas que tens possibilidades infinitas, mas, na verdade, não tens nenhumas. Cada dia que ficas no politécnico estás a deitar mais pela janela.”
Um pouco engasgada, Madeleine começou: “Mas o Jean-Luc—”
Gaspard disse-lhe que Jean-Luc não a merecia. Madeleine não concordava.
Nessa noite, Jean-Luc levou Madeleine pela mão através do cheiro familiar de uma rua húmida depois da chuva, para irem ao cinema. Mas no escuro, com o nariz de Jean-Luc suavemente pousado no seu cabelo e ouvindo os seus sussurros de amor, o rosto de Madeleine estava rígido e inexpressivo, olhos bem abertos, fixos no ecrã, a ver tomar lugar aventuras que temia nunca viver.
Agora, sentada na paragem junto aos comboios que passavam, a ver andar pessoas em pares e sentindo o frio da noite começar a envolvê-la, Madeleine sonhava com o calor do cinema e das mãos desajeitadas de Jean-Luc.
A despedida fora amarga e sem sentido. Lembrava-se bem dos olhos castanhos de Jean-Luc, confusos e traídos, enquanto Madeleine andava de um lado para o outro no quarto a atirar as suas coisas para uma mala grande e vermelha. Ela falava-lhe do que dissera o Gaspard, distraída e sonhadora, de como ia ver Paris e Biarritz e Zurich – ia perder os sapatos em Vienna e fazer amigos a tentar encontrá-los. Entretanto, Jean-Luc olhava-a de longe, como se pela primeira vez a visse, encostado à parede com as mãos nos bolsos.
Quando ele saiu, Madeleine viu-o limpar o rosto ao pano cansado, manchado de óleo que trazia no bolso. As suas lágrimas, ele sempre as escondera atrás de determinação e de tijoleira quebradiça.
O seu único sinal de emoção foi, assim que chegou ao lado de fora da porta e sabia que Madeleine não o via, uma violenta pancada na parede. Madeleine realmente não o via, mas ouviu-o. Acabou de fazer a mala com um semblante paciente, e os sonhos que tinha para a viagem afastaram-lhe o nó na garganta – eram as mãos de um velho marinheiro a desapertar as amarras do seu navio.
Quando acabou de arrumar os livros, os jeans e os sapatos vermelhos que nunca usava, Madeleine ficou em pé à frente do espelho da casa-de-banho com uma tesoura, e viu a pouco e pouco cair as suas madeixas castanhas no lavatório.
À janela do comboio para sair da vila, Madeleine pensou ter vislumbrado Jean-Luc, um ramo de lilazes na mão ligada, a entrar esbaforido na estação, antes de ser afogado pelo apito do comboio e pela multidão. Convenceu-se de que não era mesmo ele, para que não lhe doa à noite.
Madeleine viu Paris das janelas de autocarros – sentiu o vento no seu cabelo no cimo da butte de Montmartre, comprou dois ou três quadros na Place du Tertre, tirou fotografias com um sorriso plastificado diante da Torre Eiffel. De tédio, alimentou os pombos dos Champs de Mars com bocadinhos de pizza.
Tudo aquilo de que o Gaspard tinha falado? Existia, Madeleine via-o nas pessoas à sua volta, e às vezes sentia-o mesmo perto de si, sem poder vê-lo em si mesma. Mas afinal, em Vienna perdera inadvertidamente o sapato, e acabara a coxear de volta para o hotel, a pensar nas batatas fritas do “Eugéne” e na sua própria estupidez.
Madeleine sentava-se na estação a ver passar os comboios um a um, às vezes a apitar. Já estava quase sem dinheiro, e às vezes esquecia-se de onde estava. Tinha, porém, vergonha de voltar para casa (sempre que ressoava nos altifalantes o nome da sua terra, era vê-la estremecer e fingir que não ouvira) sem ter visto o que prometera ver, sem ter beijado nenhum poeta e sem se ter perdido em becos de calçada molhada, às mãos do inesperado.
Para acrescentar à humilhação, tinha medo – medo de enfrentar as consequências dos riscos que tinha tomado. Estava já consumida pela desilusão, mas sabia que não o estava tanto quanto ficaria se voltasse, para encontrar Jean-Luc nos braços de uma ruiva fogosa chamada Vanessa, numa casa com duas varandas que era propriedade legítima de Madeleine.
Agora essa sua fantasia – Jean-Luc e um filme, noites passadas a contar estrelas e a conversar, no familiar parque da vila – fazia parte de mais uma batelada de riscos.
Riscos que Madeleine não ia tomar.

--
Baseado na canção "Madeleine", de Jacques Brel, que conta a história de um rapaz que todos os dias espera a namorada na estação com um ramo de lilazes, sem ela nunca chegar.
Elle est tellement jolie
Elle est tellement tout ça
Elle est toute ma vie
Madeleine... qui n'arrive pas.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

nós os artistas II

nós os artistas sentimos com mais força
do que as outras pessoas sentem

nós os artistas queremos a liberdade
com mais força do que os outros, mais

nós os artistas gritamos mais alto
ou então sussurramos palavras de ordem
escondidas atrás dos pilares das eras
até à hora de brilharem além, porém, e
com mais força do que os outros, mais

nós os artistas não somos românticos
nem graciosos nem delicados
nem o nosso perfil é de cinzel
nem os nossos olhos pedras
( semi-preciosas metafórico-voltaicas )

o nosso silêncio é apenas aparente
nós os artistas não sabemos fechar a boca

sem ar respiramos pelos olhos quando
nos sufocam em desespero porque
o artista é LIVRE e INSPIRADO
e a sociedade PRESA e INVEJOSA

OS NOSSOS OLHOS SÃO GRANDES
AS NOSSAS MÃOS SÃO ABERTAS
OS NOSSOS PÉS CALEJADOS

o sol é dos artistas porque só eles
sabem para que é que ele serve


--
Poema velho redescoberto, com um sujeito poético revoltadíssimo.
Devia estar a ter um daqueles dias difíceis.

esquecido no tempo a 05-04-2008

Música: "Kashmere", Led Zeppelin

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Jai Ho

Post repetida, já que da anterior teve o seu vídeo retirado do YouTube pela Fox Searchlight (infracção de copyright my ass, é mais publicidade grátis).

Celebrando os incríveis dotes do Dev Patel e da Freida Pinto nos créditos do Slumdog Millionaire, com música de A. Rahman.
Não sei quantos mil óscares*, entre eles o de "Melhor Canção Original".

You gotta love it.

*8, mesmo.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Retrato de um Noir, Ruiva&Finale

A menina ruiva veste-se sempre de vermelho, por muito que lhe digam que essa cor é para as mulheres da vida. Ela senta-se numa mesa redonda, sozinha, a olhar para o seu reflexo no cinzeiro. Ninguém no bar a conhece muito bem, e a empregada de mesa resmunga para o homem do bar que ela não deixa grandes gorjetas. É estudante, bebe sempre água com gás.
A menina ruiva espia a viúva enquanto ela se vai sentar com o senhor doutor, e encetam uma pequena conversa. O detective dá-lhes um assobio reprovador, mas a menina ruiva acha que só ela é que repara.
Dizem que a viúva matou o marido, mas a menina ruiva acha que não – afinal, os jornais são rápidos em cair em cima das pessoas que se vestem bem e aparecem nas páginas do high-life. A menina ruiva tem sonhos desses – ou talvez de ser astronauta, ou química, como a Marie Curie (a menina ruiva tem uma fotografia dela na carteira, recortada de uma revista da universidade).
A noite começa tarde no Bar às Riscas Pretas, e quando acaba já não é bem noite, de qualquer forma. O homem do bar anuncia a última rodada, mas ninguém a comenta. As sombras sorriem-lhe dos cantos, prometem que um dia se vão voltar a ouvir os saxofones, que as noites vão voltar a ser azul-escuras, manchadas de luz.
A viúva e o senhor doutor saem juntos – o detective toma nota mental do assunto, prevendo já um fim sangrento para o senhor doutor, numa noite quente de Maio.


--

Música: "Summertime", Billie Holiday.

domingo, 29 de março de 2009

Retrato de um Noir, Médico&Vigário

O senhor doutor está sentado a uma mesa, a fumar um cachimbo, pensativo e sem falar com ninguém, excepto a empregada de mesa, que passa de vez em quando, com o decote escabroso e os saltos altos, a perguntar se ele precisa de outro conhaque. O senhor doutor tem o consultório instalado no cimo de um prédio de tijolo castanho no centro da cidade. O homem do bar passa lá para os filhos levarem as vacinas – o senhor doutor faz um desconto. O homem da mercearia vai lá comprar os comprimidos da tensão da esposa – o senhor doutor faz um desconto. O carteiro leva o cão porque o veterinário está fechado – o senhor doutor não cobra nada.
O senhor doutor não pagou a renda este mês.
Ainda assim, bebe. É o remédio que lhe ensinaram as décadas, o conhaque, independentemente da faculdade de medicina. E, quando entrara, de olhos brilhantes a querer salvar o mundo, não o teria feito se soubesse. Se soubesse.
Deita aos olhos à viúva, que está um bocado esbugalhada. Talvez esteja a ter um enfarte. O senhor doutor não se levanta.
O vigário fica de pé junto ao balcão, porque ele gosta de se convencer que nunca pára muito tempo. Pede uma cerveja, que ele é um homem simples, um homem de deus, um homem sem prazeres. Nasceu no Kansas, onde o céu é azul e as pessoas mastigam a ponta das espigas. Aqui nunca parece haver cor – e toda a gente tem aquele maldito hálito a tabaco.
O vigário tenta esconder o sotaque quando fala com as pessoas, para que o levem mais a sério. Tem os seus segredos, mas não deixa que se saiba, para se poder esconder. Não sabe como é não ser perseguido, e não ouvir todos os dias as histórias horríveis do seu rebanho, por detrás da rede de madeira do confessionário. Reconhece sempre as vozes por detrás das palavras mais negras.
Vê o detective e estremece. Se ele soubesse tudo o que o vigário sabe, quiçá deixasse o seu emprego. O vigário, por sua vez, bebe para lhe passar. Que outro remédio conhece? Até o senhor doutor aprova, erguendo-lhe o copo de conhaque. O vigário cora, e murmura que não vai parar muito tempo.
O senhor doutor sabe que o vigário gosta de se convencer que nunca pára muito tempo.

--

Música: "Paper Bag", Goldfrapp

domingo, 22 de março de 2009

That's Amore




When the moon hits your eyes like a big pizza pie
that's amore,
When the world seems to shine like you've had too much wine
that's amore!

Novo vício: "Skins", série britânica.
O Anwar (Dev Patel) e a Sketch (Aimee-Ffion Edwards) saem, com resultados extraordinários.
Side note: a Sketch está loucamente apaixonada pelo melhor amigo do Anwar, que é gay.

Ao menos deixei de ver Anatomia de Grey.

Retrato de um Noir, Detective&Viúva

O detective está sentado no canto, o chapéu pousado em cima da mesa, a gabardina atirada sobre a cadeira, as mangas da camisa arregaçadas pelos cotovelos e o cigarro preso nos dentes. Ele tira o cigarro nas cenas de crime, ao ver o sangue espalhado pelos lençóis brancos. Tem os papéis espalhados pela mesa, perdido de sono. Diz-se que já andou metido à porrada com todos os homens e metido noutros negócios mais sinistros com todas as mulheres. Enfiou atrás das barras metade dos criminosos da cidade – os outros teriam, talvez, algo a oferecer-lhe.
Ele vive um pouco na linha – alimenta-se dos cantos mais esbatidos das leis, deixa passar o que não o magoa e cerra os dentes quando lhe apontam os seus defeitos.
O revólver? Está enfiado no cinto, para que todos o vejam e saibam que ele não é de brincadeiras.
A viúva está sentada ao balcão, de vestido preto com uma racha escandalosa de lado e perna cruzada. Ninguém sabe exactamente o que ela faz no Bar às Riscas Pretas – afinal, ela pertence às festas no uptown, de copinhos afunilados e conversas frívolas. Fala-se que matou o marido, mas ela não liga a esses mexericos, brinca antes com as pérolas do colar e faz olhinhos ao senhor doutor.
O detective olha-a de relance. Já tiveram os seus encontros – foram fugazes. As manchas de sangue encontradas na sua roupa não eram certamente do marido, que fora alvejado por uma mulher que usava batom vermelho, que não era certamente o mesmo que pendia dos seus lábios. Quem se atreve a contestar, de qualquer forma, o detective?
Ninguém, senhor, ninguém.


--

Música: "America", Razorlight

Retrato de um Noir

" A noite começa tarde no Bar às Riscas Pretas, no beco encalhado mais duvidoso de uma parte já bastante duvidosa da cidade. O ambiente no interior é avermelhado e enevoado, cheio do fumo dos cigarros e charutos nas mãos de todos os presentes. Nas paredes cobertas de traves de madeira estão retratos a tinta de saxofonistas dedicados e dançarinas delicadas dos Loucos Anos Vinte – para deixar um pouco de fantasia no Bar às Riscas Pretas, mesmo durante a Depressão.

O homem do bar está inclinado por cima do balcão, a limpar um copo com um pano que noutra vida talvez tenha sido branco. Tem manchas de licores no avental atado por cima da barriga, e metia conversa ocasional com uma das caras fantasmagóricas penduradas aos seus copos de bebidas ambíguas.

Tudo era como que a preto e branco. Durante a Proibição, o Bar às Riscas Pretas estivera sempre cheio de vida. Vendia licor e whisky (muito aguado), a mulheres vestidas de cores sumptuosas, rapazes de colete preto e lenço vermelho ao pescoço, com música a toda a hora e danças até ao raiar do dia. O homem do bar lembra-se desse tempo, mas já são noções idealizadas de risos e de sonhos. Diante dos seus olhos passam sombras – são novas sempre, e misturam-se as caras, já, no tremelicar febril das lâmpadas velhas.

Agora, o bar pertence aos vagabundos. Aos desperados da sociedade, de mãos calejadas e gargantas roucas, que fumam os seus cigarros e bebem para esquecer que bebem. O homem do bar não vê essas pessoas – vê antes os antigos, encostados ao gramofone, a passar o jornal de mão em mão entre risos e copos de vinho branco.

(...)
--

Para o meu pai, que gosta das histórias com morcegos na capa.

Música: "Blues for Dixie", the Chieftains

segunda-feira, 9 de março de 2009

emportée par la foule

quando ouço a nossa canção
passam borboletas na minha
visão periférica.

ainda somos deuses
-sabe deus por quanto tempo
essa brincadeira vai durar-
com as oportunidades
do céu azul na palma da mão.

às vezes estou sozinha como
a solitária senhora parisiense
na linha do céu nova iorquino:
presa tão longe de casa,
numa antítese ao seu apelido.

abrem-se-me os olhos
com as ventanias.
são as janelas de uma casa
mais antiga do que eu,
com as portadas amarelas.

os aviões quando voam
não batem as asas.
são de outro estado de
existência - podem voar
por pura força de vontade.

quando ouço a nossa canção
os meus dias são diferentes.
vejo os teus olhos (de súbito)
como se os visse do fundo
do poço das lembranças.

Shine On

Safety pins holding up the things that make you mine,

About your hair? You needn't care,
You look beautiful all of the time.

"Shine On" - The Kooks

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Für Elise

" ouviria as piores notícias dos seus lábios "

(...)

Deixou que os pés descalços passeassem sozinhos, que os dedos dos pés formassem um romance qualquer com as conchas de que ele nunca iria ouvir falar e que seria escrito pela Sophia de Mello Breyner numa outra vida, quiçá em dois dísticos e uma quadra.

O vento suspirava canções de amor für Elise, as gaivotas soltavam gritos existencialistas que Miguel tentava não ouvir. Enterrou as mãos nos bolsos. Bem fundo, como se enterra no quintal um animal de estimação. Desesperadamente, miseravelmente, com a consciência de que se põe fim a algo.

Miguel queria pôr fim.

(...)

A Teoria do Caos

por detrás dos meus olhos
tu és uma tempestade.
a tua luz breve e desenfreada
é seguida do rugido glorioso.


os pardais espalham-se pelo
céu noctuno,
pedaços recortados à escuridão.


por detrás dos meus olhos
--no mundo dos contrários,
condensação das lembranças--
os teus beijos são
no meu ombro.


as ondas atentam
em interminável onomatopeia
contra a praia vazia.


por detrás dos meus olhos
onde nada me alcança
tu tocas-me.
pestanas no meu rosto
(no ruge-ruge de uma porta
oleada);
mão na minha perna
(relâmpago--trovão);
unhas nas minhas costas
(a teoria do caos).


quando as borboletas batem as asas
acontecem coisas como
nós.


--
para o carlitos, (os heróis fazem-se assim), num dia como os outros (e vai daí...)

Canção -- "Lloyd, I'm Ready to Be Heartbroken," Camera Obscura