sábado, 20 de setembro de 2008

Masquerade

Olho pela janela. Pessoas lá em baixo. São tão pequeninas. São tão caóticas.


Desço as escadas do prédio, junto-me à parada de alma às costas. Torna-se demasiado pesada quando é preciso espaço para a ignorância.


Uma avenida ampla. Espremo-me nela e as suas portas abrem-se em cadeia para mim, os rostos passam desligados pelas suas preocupações.


Está um dia especialmente solarengo. Tanta luz incomoda-me, assusta-me. É como se esventrasse segredos – é tão bom tê-los.


Apanho o autocarro para o outro lado da cidade. Pessoas ausentes, neons coloridos, portas fechadas e janelas abertas.


Cheguei à paragem. Uma zona labiríntica de ruas estreitas apresenta-se diante de mim, os edifícios altos e enegrecidos parecem inclinar-se para os transeuntes vestidos de máscaras. Todos eles. Cores garridas, vestimentas extravagantes, máscaras de todas as formas e tamanhos.


Saio. Levo uma mão à mochila e tiro a minha máscara brilhante. Junto-me ao grupo que dança ali ao fundo.


Ah, é tão bom ter segredos.


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Canção-- "The Call To Dance", Riverdance

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Joie de Vivre

É sem pressa que o dia recomeça, como que numa tentativa de melhorar e de corrigir qualquer erro – com culpa que o sol nasce, como num perdão desagradável e desconfortável.

É devagar que o dia passa, carregando aos ombros responsabilidades e segredos murmurados, esqueço-me de abrir os olhos às vezes deixo-me deitar abaixo.

A noite citadina brilha como mil estrelas a rugir, uma descarga eléctrica por um poste da luz.

Sinto as pedras debaixo das solas e o ar que respiro cheio do ar de outras pessoas – e em vez de me fazer estremecer isto faz-me viver ainda com mais força – o ar é fantástico! E o céu é limpo às terças-feiras e nublado o resto do mês, sem consulta marcada.

As luzes do trânsito são fantasmas que quebram a intervalos regulares a solidão das esquinas. Sem pudor as sombras despem-se diante delas. Os cafés respiram tabaco e conversa, cerveja e coca-cola. O mundo pára para discutir quando acaba o futebol – menos os revoltados semi-independentes que vivem de combater práticas comuns da sociedade em que vivem. Dança-lhes nos olhos uma centelha que tem tudo de estrela a rugir, as estrelas que não se vêem na noite citadina.

Na noite da cidade o mundo é meu, o fatalismo de Hegel com o pó de sonho de Kafka, brilhante, que me deixa no nariz um cheiro a enxofre, me agrada e me fascina. Qual vai ser a primeira gota de água a tocar o chão, desta tempestade que misturamos com a palhinha no copo de refrigerante? Qual vai ser o primeiro plano a sair furado e apagar a chama que nos enche e consome e faz sorrir? Fazemos programas e listas e criamos o cosmos em guardanapos de papel.

A noite citadina é cheia de filosofias partidas ao meio – os sonhos, as aspirações, as perspectivas, o vício que é a vida todos os dias. Por que será que desde que respiramos pela primeira vez, nunca mais queremos parar? Acho que respirar é viciante, acho que o ar é uma droga. E a noite é o traficante, a noite veste-se de sombras e espera nos becos, com uma dose de brisa que nunca vais conseguir largar.

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Canção -- "So Damn Lucky", Dave Matthews Band