terça-feira, 23 de junho de 2009

carthaginiens, ensis

escrevo-lhe um poema como
consagraria aos deuses
um sacrifício em chamas,
e pelas mesmas razões.

burnbaby obrigada pelo que me dás
burn estrelas pulverizadas
burn nas minhas mãos
burnbaby não me abandones
burn vê o sol como ele sobe
burn entre as garras das nuvens

burnbaby concede-me este único
burnbaby e inquebrável desejo
burn outros virão com a maré
burn amanhã de manhã


bu os cartagineses não escreviam poemas.
rn só as sinfonias de escudo-em-espada-em-escudo
bu nas praias infinitas do mediterrâneo

e

cartago caiu com um
ruído surdo ensurdecedor
das páginas da história
para o chão empoeirado,
os gritos silenciados
levados pelo fumo
até às divindades.

burnbaby they were a-watchin
bvrnbaby the show

eu vi com estes olhos
dançar as espirais de chamas
sobre os telhados em ruínas.

burn nenhum deus levantou
burnbaby um omnipotente dedo.

escrevo-lhe um poema
para que o apazigue
para que o meu mundo
não caia em cinzas brancas
de folha de papel.

sábado, 20 de junho de 2009

BOLD

lembra-te sempre:
as coisas resolvem-se. a matéria transforma-se. as nuvens fogem às altas pressões. não apertes tanto a gravata. aperta bem os atacadores. não te escondas atrás dos postes da iluminação. a pedra fica escorregadia depois de chover. as cerejas servem mais para fazer brincos do que para comer. não confies nas coisas vermelhas. não ouças música muito alto. não feches os olhos nas fotografias.

nunca te esqueças:
não feches os olhos na auto-estrada. não feches os olhos no cinema. não feches os olhos no escuro. fecha os olhos quando beijares alguém. lava as mãos antes de comer. anda descalça às vezes. a chuva molha, mas isso é bom. beber uma vez leite fora da validade nunca matou ninguém. não sejas paranóica. acredita nas pessoas que te rodeiam.

para quando fores maior:
nunca acredites nas pessoas que te rodeiam. bebe só até ao ponto em que te sintas confortável a beber. ninguém te pode pôr rédeas ou sela. guarda as fotografias bonitas, corta de lá as pessoas de quem não gostares. mas guarda-as numa gaveta, fizeram parte da tua vida e tornaram-te no que és hoje. não mexas na cor dos teus olhos, não mexas na cor do teu cabelo. mostra os joelhos! aprende a assobiar, eu nunca te soube ensinar.

para te acompanhar pela vida fora:
tudo aquilo que eu te ensinei -- a contar, a escrever o teu nome, a dançar o thriller, a andar de baloiço, a cuspir como no titanic, a lavar os dentes, os nomes dos quatro beatles, a guardar a tua individualidade e a coser botões e costurar nos jeans.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

The Answer

"Before Sunrise" é realizado por Richard Linklater e protagonizado por Julie Delpy e Ethan Hawke.
Esta foi a cena que mais me fez apaixonar pelo filme.
Vale a pena.


"He was almost crying saying that.
You know, I believe if there's any kind of God, it wouldn't be in any of us. Not you, or me. But just this little space in between. If there's any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something.
I know, it's almost impossible to succeed, but... who cares, really. The answer must be in the attempt."

Oh, Ethan Hawke, quando vais parar de fazer filmes que eu adore?
Ah espera. Se não fosse o maldito "Antes que o Diabo Saiba que Morreste".

Frame of Mind

O Vasco conduz como um louco fugitivo. Sempre lhe deram esse apelido, e não o incomoda -- gosta da ideia de ser o selvagem na linha preta de macadame, que tira o máximo de uma carrinha velha de hippies até ela fazer aquele barulho que deixa os passageiros assustados. A sua música será deprimente e haverão meias-luas negras debaixo dos seus olhos, derivadas de incontáveis noites ao volante, iluminado por menos que uma meia-lua.
Conduz como um louco, e esta noite foge. O seu pé está pressionado no pedal, a estrada estendida diante dele, ladeada por campos de girassóis, de pétalas voltadas para o solo como os olhos cansados dos peregrinos. O Vasco escolhe não olhar, fixa os olhos no caminho, como faria Orfeu. É também por causa desta comparação que o Vasco evita olhar para os que dormem no banco de trás.

As lembranças que tem são como um bando de pássaros que pode ser dispersado com uma palma, mas que se juntam de novo quando estás a olhar. Ele lembra-se da forma como um Tim de mãos pequeninas dizia o seu nome. Lembra-se da Sónia desmaiada e de uma garrafa partida de whisky. Lembra-se do telefonema da Alice, de um estremecimento a percorrer-lhe a espinha. De uma namorada chamada Maria e dos seus dentes bonitos e perfeitos, que lhe deixaram uma cicatriz no ombro esquerdo. Uma noite em Bragança coberta de neve, a chorar a ver o Pretty Woman -- possibilidades partidas. Ler Nietzsche, queimar as páginas.

Um passo em frente dispersa de novo os pássaros. Adeus.

As suas mãos apertam com força o volante, e depois abre a janela dois dedos e puxa de um cigarro, com as mãos peritas dos desesperados. Tem os dentes amarelados mas garante-se de que não está viciado -- é só para lhe manter a boca ocupada, não pode ser pior que pastilha elástica afinal. Um dos seus bolsos produz um isqueiro e a chama brilha sobre o cabelo da Alice no assento do passageiro como se, por um instante glorioso, todo fosse feito de fogo. No momento seguinte, é apenas uma brasa vermelha na ponta de outro cigarro.

O Vasco sente-se velho ao volante, como um pai que deixo passar uma vida de pólvora e mulheres bonitas e odisseias para tratar da mulher e dos filhos. Neste caso, a família indesejada é o único grupo de pessoas com quem encontrou uma ligação -- bem, eles e a Maria dos dentes bonitos. Com ela havia uma chama, mas ele queria amor de poesia e teatro, e ela queria amor de casacos de cabedal e carros descapotáveis. De alguma forma, os dois não eram compatíveis.

O Vasco pergunta-se por vezes o que teria acontecido se os dois tivessem ficado juntos -- talvez ele tivesse acabado o liceu, ido para a universidade, talvez se tivesse livrado de uma mãe que precisava dele e de quem ele não precisava, e arranjado um emprego, e uma vida.

Uma a sério.