quarta-feira, 7 de outubro de 2009

a boneca

Balanceou as ancas pelas ruas poeirentas, por entre as ocasionais trocas de tiros e música de flautim, sacudiu o cabelo quando passava o vento para se poderem fazer bons grandes planos e abriu finalmente de par em par as portas de mola do saloon, deixando-as sacudir um pouco à sua passagem. Os rostos eram os mesmos de sempre – o Jack Rápido, cujas botas tinham umas asinhas secretas e invisíveis encomendadas a um índio; o Dick Gatilho, que tinha o par de pistolas mais obedientes ente Nova Orleães e a Califórnia; o Louie Sem Ossos, tão magro que fugia de qualquer prisão sem precisar de enganar o guarda ou de lhe raptar a chave do bolso. A Boneca lançou beijos a todos com uma boquinha repenicada e cumprimentou os quatro bandidos ao balcão com um gesto de cabeça, ao que eles tiraram os chapéus e sorriram.

Ao bilhar, porém, estava um desconhecido. De costas, ela via-lhe já o lenço vermelho ao pescoço, o colete de pele, as botas altas, tudo tirado do estereótipo do homem do fároeste. Ele olhou por cima do ombro e, retirando o cigarro dos lábios, disse:

- Boneca.

O coração saltou-lhe no peito, fez-lhe estremecer o decote, e as suas pestanas pestanejaram de forma mais epiléptica que sedutora.

- És tu – disse.

Ele manteve um semblante escuro, puxou o chapéu sobre o rosto para alargar a sombra que o cobria e, ignorando o terror que ela demonstrava, perguntou:

- Vai um bilhar?

A Boneca aproximou-se da mesa devagar, cada passo dela um estremecer do salto alto fininho das suas botas, modeladas a partir de um mapa da Itália. Tirou as luvas brancas com um ar determinado e agarrou no taco que o homem lhe entregava.

- O que estás aqui a fazer? – perguntou num sussurro.

Ele pareceu não reparar que ela fizera uma pergunta, estava ocupado a juntar as bolas todas num dos cantos da mesa para poder começar a partida.

- Ouviste? – voltou a Boneca.

Ele ergueu para ela um par de olhos escuros desde a penumbra da aba do chapéu e disse:

- Não fiquei surdo, Boneca, muito menos para ti.

Ela corou como se lhe tivessem aceso uma fogueira debaixo dos pés, e tirou o leque do cinto para se esconder atrás dele.

- Começamos? – voltou ele.

Com um ruído seco, as bolas espalharam-se pela mesa.

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"A Boneca -- uma comédia romântica no fároeste"
dedicada à sara pelos anos dela

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