sábado, 14 de novembro de 2009

pára de sofrer

pára de sofrer, sofia,
deixa-te de ler os clássicos
que terminam sempre em morte ou casamento
(ambos tristes à sua maneira
muito particular e igualmente
trágicos e finalizadores).

abre bem os olhos, sofia,
enche-os de coisas bonitas
como os pássaros e as borboletas
e esconde na noite as sombras
que te apoquentam a alma
ao acordares.

deixa os pesadelos no armário
onde escondes os teus outros segredos
(um diário com fechadura de plástico,
uma cassete do pretty woman
e os restos mortais de uma folha vermelha)
e não te esqueças de fechar a porta
à noite antes de dormir.

faz pouco barulho, sofia,
para não acordares os teus demónios.
quando eras pequenina e eles estendiam
garras fantasmagóricas sobre ti,
os lençóis brancos eram o teu escudo
glorioso e ardente.
mas agora, enrolada,
abraçando silenciosamente os joelhos,
nenhum edredão te protege
dos teus fantasmas muito pessoais
(enroscados contigo na cama,
com os braços frios passados
sobre o teu corpo esguio).

deixa de sofrer, sofia,
a noite não dura para sempre
nem pode assombrar as horas de luz.
esconde-te enquanto for dia
nos raios de sol nos parapeitos das janelas
(podes aprender a estender-te
com os gatos, que o fazem bem)
e ao cair a noite vai andando para leste
à velocidade da rotação da terra
(mil quilómetros por hora no equador)
e o pôr-do-sol nunca te vai apanhar.

escondes-te assim daquilo
que te persegue das sombras,
um bom conselho mas covarde.

a melhor opção, sofia,
é parares de sofrer não fugindo
mas travando e deixando
que os teus males te atravessem
como atravessa os teus ossos
o vento gelado do evereste.

fica quieta, sofia, e repousa,
a sarar as feridas mas deixando-as doer
pois essa dor verdadeira nunca será tão grande
como a dor de esperar que a dor nos atinja
num relâmpago inesperado.
a verdadeira dor é sempre menor
do que a expectativa de uma dor imaginária
coberta de sal e de pedaços de areia
em feridas que nunca realmente abrimos.

por isso esquece, sofia, esquece.
é a única maneira
de realmente perdoar.
mete as unhas postiças
e vai dançar pela noite fora,
deixa a penumbra dos candeeiros de rua
guiar os teus passos
até casa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

As vossas palavras às nossas palavras.