domingo, 22 de março de 2009

Retrato de um Noir, Detective&Viúva

O detective está sentado no canto, o chapéu pousado em cima da mesa, a gabardina atirada sobre a cadeira, as mangas da camisa arregaçadas pelos cotovelos e o cigarro preso nos dentes. Ele tira o cigarro nas cenas de crime, ao ver o sangue espalhado pelos lençóis brancos. Tem os papéis espalhados pela mesa, perdido de sono. Diz-se que já andou metido à porrada com todos os homens e metido noutros negócios mais sinistros com todas as mulheres. Enfiou atrás das barras metade dos criminosos da cidade – os outros teriam, talvez, algo a oferecer-lhe.
Ele vive um pouco na linha – alimenta-se dos cantos mais esbatidos das leis, deixa passar o que não o magoa e cerra os dentes quando lhe apontam os seus defeitos.
O revólver? Está enfiado no cinto, para que todos o vejam e saibam que ele não é de brincadeiras.
A viúva está sentada ao balcão, de vestido preto com uma racha escandalosa de lado e perna cruzada. Ninguém sabe exactamente o que ela faz no Bar às Riscas Pretas – afinal, ela pertence às festas no uptown, de copinhos afunilados e conversas frívolas. Fala-se que matou o marido, mas ela não liga a esses mexericos, brinca antes com as pérolas do colar e faz olhinhos ao senhor doutor.
O detective olha-a de relance. Já tiveram os seus encontros – foram fugazes. As manchas de sangue encontradas na sua roupa não eram certamente do marido, que fora alvejado por uma mulher que usava batom vermelho, que não era certamente o mesmo que pendia dos seus lábios. Quem se atreve a contestar, de qualquer forma, o detective?
Ninguém, senhor, ninguém.


--

Música: "America", Razorlight

1 comentário:

As vossas palavras às nossas palavras.