domingo, 22 de março de 2009

Retrato de um Noir

" A noite começa tarde no Bar às Riscas Pretas, no beco encalhado mais duvidoso de uma parte já bastante duvidosa da cidade. O ambiente no interior é avermelhado e enevoado, cheio do fumo dos cigarros e charutos nas mãos de todos os presentes. Nas paredes cobertas de traves de madeira estão retratos a tinta de saxofonistas dedicados e dançarinas delicadas dos Loucos Anos Vinte – para deixar um pouco de fantasia no Bar às Riscas Pretas, mesmo durante a Depressão.

O homem do bar está inclinado por cima do balcão, a limpar um copo com um pano que noutra vida talvez tenha sido branco. Tem manchas de licores no avental atado por cima da barriga, e metia conversa ocasional com uma das caras fantasmagóricas penduradas aos seus copos de bebidas ambíguas.

Tudo era como que a preto e branco. Durante a Proibição, o Bar às Riscas Pretas estivera sempre cheio de vida. Vendia licor e whisky (muito aguado), a mulheres vestidas de cores sumptuosas, rapazes de colete preto e lenço vermelho ao pescoço, com música a toda a hora e danças até ao raiar do dia. O homem do bar lembra-se desse tempo, mas já são noções idealizadas de risos e de sonhos. Diante dos seus olhos passam sombras – são novas sempre, e misturam-se as caras, já, no tremelicar febril das lâmpadas velhas.

Agora, o bar pertence aos vagabundos. Aos desperados da sociedade, de mãos calejadas e gargantas roucas, que fumam os seus cigarros e bebem para esquecer que bebem. O homem do bar não vê essas pessoas – vê antes os antigos, encostados ao gramofone, a passar o jornal de mão em mão entre risos e copos de vinho branco.

(...)
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Para o meu pai, que gosta das histórias com morcegos na capa.

Música: "Blues for Dixie", the Chieftains

1 comentário:

  1. um "passou bem" ao teu pai, "é cá dos meus" :)e um "bravo" para ti, és genial e és a minha teenager preferida de sempre ;)

    m.ª ventania

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