quinta-feira, 6 de agosto de 2009

des-significativo

As searas de centeio são infinitas debaixo do sol de verão. Vem o vento e acaricia-as como um amante, coisas sobre as quais o homem canta desde que existem homens e searas e vento, e desde que as aves flutuam no ar como se não tivessem peso de todo.

O que mais o fascinava eram as gaivotas -- nós só vimos o mar muito tarde, mas de vez em quando elas vinham a rebolar numa tempestade, cordilheira abaixo, e, fascinados, víamo-las cair, exaustas, como anjos. Ele dava-me a mão e suspirava uma maneira especial de suspiro, daqueles muito sábios, de olhos cansados.

Revíamo-nos em imagens fugitivas nos riachos, os nossos objectivos igualmente fugitivos. As nossas noções do tempo eram apenas abstractas, penduradas dos ramos das árvores. Os meus tornozelos andavam sempre nus, e ele oferecia-me pulseiras de berloques para lhes prender, para que ele soubesse sempre por onde eu andava.

Eram dias infinitos passados de trás para a frente com os rebanhos, a inventar instrumentos musicais com canas dos riachos e dançar em nome da noite à volta da fogueira, os pulsos cobertos de quinquilharia, observando-nos uns aos outros através de espirais pretas de fumo.

Não sei até que ponto esses dias continuam na geração que nos seguiu. Vivem cheios de medo, enfezados e pequenos até à próxima colheita, a poupar rações de pão duro porque a fome continua no dia seguinte -- certeza inalienável. E nós? Alguns de nós continuam lá, a viver sob os telhados cada dia mais finos, a acender fogueiras pequenas e a fazer pulseiras de amuleto, de costas vergadas na ceifa e testas enrugadas pelo sol.

Outros têm sonhos mais altos que a cada dia vêem envelhecidos.

Quanto mais velhos somos, mais ridículos parecem os nossos sonhos.

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